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Por Daniel Diogo 25 de agosto de 2023
Antes de adentrarmos no tema especificamente, precisamos aclarar um ponto essencial, qual seja: os menores, assim como os absolutamente incapazes, são inimputáveis! Abordaremos, por obviedade, apenas os menores (criança e adolescente), tendo em vista que o intuito do artigo é a elucidação do ato infracional e suas consequências. A própria Constituição Federal positiva a inimputabilidade dos menores. Artigo 228, CF “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”. No ordenamento jurídico brasileiro, encontramos a inimputabilidade no Código Penal, artigo 27 “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”. E claro, como fundamentação legal, ainda, temos o que consta do artigo 104 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”. Logo, diante do acima descrito, percebemos que o menor não comete crime. Ocorre que, no exato momento em que essa criança ou esse adolescente comete uma conduta descrita como crime, na realidade, ele estará cometendo um ato infracional. Ato infracional é uma conduta descrita como crime, tendo como autor um menor. Exemplo: artigo 121, CP: matar alguém. Esse homicídio é cometido pelo menor, e esse ato é considerado ato infracional diante de sua condição de inimputabilidade. Exatamente como expressa o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”. Conforme exposto no título, para que discorramos sobre o trâmite do ato infracional, precisamos, primeiro, explicar a diferença entre criança e adolescente. Essa diferença é fundamental para falarmos sobre as consequências que a Lei nº 8.069/90 impõe a cada um desses personagens. Considera-se criança, para os efeitos do ECA, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incompletos; já o adolescente é a pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade. É o que consta expressamente no texto do artigo 2º dessa Lei. A regra para a aplicação das medidas socioeducativas é sua aplicabilidade aos menores de dezoito anos. Todavia, como toda regra comporta uma exceção, o parágrafo único do artigo segundo nos traz a seguinte exceção: “nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.”. Isto é, tais medidas, caso impostas ao menor de dezoito anos, poderá perdurar até que o infrator complete 21 (vinte e um) anos. Esses casos são comuns na ocasião em que a ação é praticada pelo agente ainda menor, porém com seu aniversário de maioridade estando próximo. Ou seja, pelo fato de, ainda, ser inimputável e na data do cometimento da conduta ainda ostentava tal condição, esse agente responderá pelos ditames do ECA. Não importa se faltava, apenas, um único dia para atingir a sua imputabilidade, mesmo assim responderá pelo ato infracional e não pelo cometimento de um crime. Dá-se o nome, ao retrocitado, de teoria da atividade, artigo 4º do Código Penal. Necessário, ainda no que tange aos atos infracionais, falarmos sobre a criança e sua responsabilização pela conduta infratora. Sim, a criança comete ato infracional, é vista como sujeito ativo dessa conduta. No entanto, temos o que chamamos de irresponsabilidade penal, tendo em vista que às crianças não são aplicadas as medidas socioeducativas. As medidas socioeducativas, aduzidas no artigo 112, ECA, são restritas aos adolescentes. O que ocorrerá, então, se a criança for autora de um ato infracional? Simples, à criança é destinada as medidas protetivas, previstas no artigo 101 desse Codex. Isso é dizer: às crianças não são destinadas as mesmas medidas destinadas aos adolescentes. Segue, agora, as medidas de proteção cabíveis às crianças: Art. 101. (…) I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – acolhimento institucional; VIII – inclusão em programa de acolhimento familiar; IX – colocação em família substituta. Sem adentrarmos às minucias dessas medidas porque não é a pretensão do presente estudo. Tenho como objetivo abordar o procedimento utilizado pela Lei, sem aprofundamento, tão somente uma visão geral desse processamento. Importante, isso não podemos ignorar, é que o órgão competente para a aplicação de tais medidas à criança é o Conselho Tutelar. Haja vista, conforme retromencionado, que atos cometidos pela criança não são encaminhados ao Parquet, mas sim ao conselho Tutelar, reitero. Imperioso deixar claro que tais medidas devem ser aplicadas conforme a necessidade, principalmente no que diz respeito às necessidades pedagógicas. E sempre que possível, deverá ser preservado o vínculo familiar entre a criança e sua família. Por fim, caso a região não possua a instalação do Conselho Tutelar, a competência para a aplicação das medidas de proteção será da Autoridade Judiciária. Passamos pelos aspectos gerais da Lei sem, especificamente, tratarmos dos procedimentos em sede de Delegacia de Polícia, sem passarmos pelo Ministério Público e, obviamente, sem tratarmos sobre o Judiciário. Agora, suponhamos que o agente infrator – primeiramente a criança, depois trataremos do adolescente – fosse apreendido em flagrante pelo ato infracional e levado à Delegacia, qual seria o procedimento adotado? Essa criança seria encaminhada ao Conselho para que, este órgão, adotasse a modalidade de Medida de Proteção mais adequada ao caso concreto. Pronto! Tratamos o suficiente para que entendam o que ocorrerá com a criança infratora. Agora, falaremos sobre o adolescente infrator. Fase Policial. Assim que o adolescente é apreendido em situação flagrancial, o Delegado lavrará o auto de apreensão em flagrante. Neste auto serão ouvidos: condutor, testemunha e o adolescente. Até aqui, sempre igual. O que modificará será a espécie da conduta praticada. Podendo ser com ou sem emprego de violência. Auto de apreensão em flagrante será lavrado, sempre, não haverá discricionariedade, quando a ação for com emprego violência ou grave ameaça. Diferentemente do que ocorre nas hipóteses em que o menor for apreendido por crime sem violência ou grave ameaça. Nessas situações, o Delegado de Polícia terá a discricionariedade de: lavrar um auto de apreensão em flagrante ou, ainda, poderá confeccionar um boletim de ocorrência circunstanciado. Caberá a ele a decisão, pois, como a conduta é mais branda, poderá abrir mão de um procedimento complexo e utilizar um procedimento mais simples, sem oitiva de condutor e testemunha. Vide a transcrição legal do acima exposto: Art. 173. Em caso de flagrante de ato infracional cometido mediante violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial, sem prejuízo do disposto nos arts. 106, parágrafo único, e 107, deverá: I – lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente; II – apreender o produto e os instrumentos da infração; III – requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração. E mais, havendo no local da apreensão Delegacia especializada, esse adolescente deverá ser encaminhado a ela para o seu devido atendimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente adota como procedimento responsável pela investigação o Auto de Investigação de Ato Infracional. Trata-se do mesmo procedimento do Inquérito Policial, porém tem como objetivo a apuração de casos de ato infracional. Busca-se, com o Auto de Investigação de Ato Infracional, os indícios de autoria e materialidade para que o titular da Ação (Representação, o nome da peça, tal qual a Denúncia no Processo Penal) dê o devido prosseguimento. Assunto que será oportunamente elaborado. Existe no ECA uma espécie de prisão provisória., mas, como abordado nesse estudo, sabemos que o menor não é preso, e sim apreendido. Consequentemente, havendo uma premente necessidade, poderá ocorrer a denominada internação antes da sentença. A internação antes da sentença ou internação provisória, está positivada nos artigos 108 e 174 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Vejamos: Art. 106. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente. Art. 174. Comparecendo qualquer dos pais ou responsável, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial, sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no primeiro dia útil imediato, exceto quando, pela gravidade do ato infracional e sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública. E mais, não poderá ultrapassar o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias; e o prazo determinado pela Lei é improrrogável! Sua decretação deve ser observados os seguintes critérios, quais sejam: indícios de autoria e materialidade (fumus comissi delicti eo periculum libertatis); e a garantia da ordem pública ou garantia de sua segurança pessoal (periculum libertatis). Tão logo ocorra o término das investigações do ato infracional, a Autoridade Policial encaminhará os autos ao Ministério Público, e já sabemos, diga-se de passagem, que é o órgão titular da ação. Até aqui, passamos pelas atribuições da Polícia Judiciária. Adentraremos, agora, na segunda fase do procedimento, a fase Ministerial. Fase Ministerial. Neste momento as diligências na fase investigativa – processada no âmbito da Polícia Judiciária – já chegaram ao fim. Assim, tudo aquilo colhido será apresentado ao Ministério Público, juntamente com o adolescente infrator. Inicialmente o Ministério Público deve chamar o adolescente, na pessoa de seu representante legal, para uma oitiva. Serão ouvidos na mesma oportunidade: seus responsáveis, a vitima e a testemunha para melhor elucidação do caso. Importantíssimo destacar que o Órgão Ministerial deverá esgotar todos os meios possíveis e legais para que o adolescente infrator seja ouvido. Nesse sentido, assevera o artigo 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 179. Apresentado o adolescente, o representante do Ministério Público, no mesmo dia e à vista do auto de apreensão, boletim de ocorrência ou relatório policial, devidamente autuados pelo cartório judicial e com informação sobre os antecedentes do adolescente, procederá imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas. Parágrafo único. Em caso de não apresentação, o representante do Ministério Público notificará os pais ou responsável para apresentação do adolescente, podendo requisitar o concurso das polícias civil e militar. O Promotor de Justiça que receber o caso terá as seguintes possibilidades após a oitiva: ele poderá arquivar, representar ou conceder a remissão. O arquivamento está positivado nos seguintes artigos: 180, inciso I combinado com o artigo 189 e 205 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A saber: Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá: I – promover o arquivamento dos autos; Art. 189. A autoridade judiciária não aplicará qualquer medida, desde que reconheça na sentença: I – estar provada a inexistência do fato; II – não haver prova da existência do fato; III – não constituir o fato ato infracional; IV – não existir prova de ter o adolescente concorrido para o ato infracional. Parágrafo único. Na hipótese deste artigo, estando o adolescente internado, será imediatamente colocado em liberdade. Art. 205. As manifestações processuais do representante do Ministério Público deverão ser fundamentadas. Escolhendo, o parquet, pelo arquivamento, não poderá cumular tal instituto com a medida de proteção. Vedação devidamente tutelada pela inteligência do artigo 99. Art. 99. As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Promovido o arquivamento pelo Promotor de Justiça, o Magistrado pode homologar. Não homologando, o Juiz encaminhará ao Procurador Geral de Justiça para que a peça inicial acusatória (Representação – semelhante à Denúncia) seja ofertada. O PGJ poderá, também, entender que não seja caso para ofertar a Representação e ratificar o arquivamento do Promotor. Nesse último caso, o juiz estará obrigado a homologar o arquivamento. Temos, conforme aduz o ECA, a possibilidade de Representação. Efetuada a representação, o Juiz iniciará o processamento para aplicação da Medida Socioeducativa. Neste ínterim, poderá aplicar as medidas restritivas de liberdade, quais sejam, liberdade assistida ou/e internação. Art. 182. Se, por qualquer razão, o representante do Ministério Público não promover o arquivamento ou conceder a remissão, oferecerá representação à autoridade judiciária, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida sócio-educativa que se afigurar a mais adequada. § 1º A representação será oferecida por petição, que conterá o breve resumo dos fatos e a classificação do ato infracional e, quando necessário, o rol de testemunhas, podendo ser deduzida oralmente, em sessão diária instalada pela autoridade judiciária. § 2º A representação independe de prova pré-constituída da autoria e materialidade. Trata-se, a Representação, como a peça processual inicial, tal como a denúncia e queixa-crime, do Código de Processo Penal. Válido dizer, oportunamente, que a prova preconstituída é prescindível para a propositura da Representação. Por fim, vamos tratar brevemente sobre o instituto da Remissão na fase Ministerial. A Remissão encontra arrimo no artigo 180, inciso II, combinado com o artigo 126 e 127 do ECA. Art. 180. Adotadas as providências a que alude o artigo anterior, o representante do Ministério Público poderá: II – conceder a remissão Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo. Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação. Sua aplicação é permitida em dois momentos, quais sejam: pré processual e processual. A modalidade pré processual está descrita no artigo 126, cabeça, e tem como consequência a exclusão do processo. É anterior à Ação Socioeducativa. Já a modalidade processual, prevista no parágrafo único do artigo 126, o processo judicial já foi iniciado. A consequência da Remissão, neste momento, é a suspensão ou extinção da demanda. O ponto fulcral desta medida é a possibilidade da utilização da Remição cumulada com qualquer Medida de Proteção ou Medida Socioeducativa. A vedação de cumulação se dá, tão somente, pelo acumulo da Remissão e medida de Restrição de Liberdade (semiliberdade ou internação). O Juiz tem um papel fundamental nesta etapa. Ele poderá homologar a medida ou as medidas, se o caso, em desfavor do adolescente. Não homologando: encaminhará ao Procurador Geral de Justiça e este oferecerá a Representação; encaminhará a outro membro do MP para fazê-lo; ou, ainda, pode ratificar a homologação que, somente neste último caso, o Juiz estará obrigado a homologar. Art. 181. Promovido o arquivamento dos autos ou concedida a remissão pelo representante do Ministério Público, mediante termo fundamentado, que conterá o resumo dos fatos, os autos serão conclusos à autoridade judiciária para homologação. § 1º Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida. § 2º Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar. Fase Judicial Adentrando ao último ponto do presente estudo: a fase Judicial. Subdivide-se, essa fase, em: Representação, Audiência de Apresentação, Produção de Provas, Alegações Finais, Sentença e Recursos. Vamos tratar, de forma não exaustiva, claro, de todos os pontos acima elencados. A Representação, tal como alude o artigo 41 do Código de Processo Penal quanto aos requisitos da Denúncia, deve passar por um Juízo de admissibilidade. Isso é dizer, deve suprir requisitos. Logo, o Juiz competente deve rejeitar a peça inicial acusatória se: Não estiver de acordo com os requisitos do artigo 182, parágrafo primeiro, do ECA; For oferecida contra ato infracional praticado por criança; O autor do ato infracional possuir 21 anos completos, artigo 2º, parágrafo único, combinado com o artigo 121, parágrafo 5º do ECA; Na data do fato o agente era imputável, artigo 104, parágrafo único, ECA; e A conduta manifestamente não constituir ato infracional. Ou seja, não estando configurado os fatores acima trazidos, a Representação deverá ser recebida pelo Magistrado. Tão logo receber a Exordial, deverá analisar o requerimento – desde que esteja presente – de internação provisória. Observação crucial para esta internação antes da Sentença: a transferência para o sistema adequado para o cumprimento da internação será realizada imediatamente. Ocorrendo qualquer impossibilidade, o adolescente aguardará pelo prazo de cinco dias na delegacia, prazo improrrogável, e, claro, separado dos adultos. Superado a análise da internação provisória, os pais do adolescente serão notificados em conjunto com o próprio adolescente para a audiência de apresentação, acompanhados de advogado. Após essa análise, iniciará a fase de audiências – apresentação e continuação – com o escopo de instruir o feito para decisão. Observado, portanto, os aspectos legais, os quais, não serão abordados pormenorizadamente neste estudo, talvez em outro com o intuito de aclarar o rito do ECA em audiência. Percebe-se, no presente momento, o ponto final do artigo elaborado com o escopo de apresentar, de forma singela, os aspectos do Ato Infracional praticados tanto por criança quanto por adolescente. Existem inúmeras doutrinas capazes de esgotar a matéria aqui elucidada. Eu possuo como objetivo, tão somente, apresentar tal conteúdo pouco difundido de forma objetiva.
25 de agosto de 2023
SUMÁRIO Introdução 1 OS AUTOS DA EXECUÇÃO PENAL 1.1 Princípios 1.2 Guia de recolhimento. 1.3 Fixação da competência 1.4 Roteiro de penas 2 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 2.1 Considerações iniciais 2.2 Regimes prisionais 2.3 Regime fechado 2.4 Regime semiaberto 2.5 Regime aberto 2.6 Aplicação concomitante de reclusão e detenção 2.7 Regime inicial dos crimes hediondos e equiparados 3 PROGRESSÃO DE REGIME 3.1 Progressão nos crimes comuns antes da lei 13.964 /19 3.2 Progressão nos crimes hediondos e equiparados antes da lei 13.464/07 e antes da lei 13.964 /19 3.4 Progressão especial 3.5 Progressão após a vigência da lei 13.964 /19 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Referências Bibliográficas Introdução O presente artigo é um introito à Execução Penal, tema de fundamental importância à militância na advocacia criminal. Neste ínterim, ultrapassado estão as seguintes fases: investigação sob os aspectos do inquérito policial, bem como a verificação da culpa com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nos moldes do processo de conhecimento. Ao falarmos de execução penal, temos que vislumbrar o poder estatal em executar e administrar o cumprimento dessa pena imposta lá no processo de cognição. Nesta etapa, temos a possibilidade da progressão de regime, tema fulcral da matéria e, ainda, alguns incidentes que são de fundamental relevância ao advogado criminalista, por exemplo: anistia, graça, induto e comutacao de penas . Diante da enorme relevância da matéria, contudo, pela proposta deste estudo, qual seja, de apresentar um singelo e elementar conteúdo sobre o tema, a opção foi abordar os seguintes itens: os autos da execução penal com alguns princípios tidos como de maior relevância à matéria, a guia de recolhimento, competência e o roteiro de penas; as penas privativas de liberdade positivadas no nosso ordenamento jurídico e, consequentemente, os regimes prisionais e, por derradeiro, a progressão de regime dos crimes comuns e hediondos e suas etapas (antes da vigência das Leis 13.464/07 e 13.964 /2019 (o famoso pacote anticrime). Cada tema abordado, mesmo que de forma sucinta, é crucial à atuação da defesa técnica em todos os aspectos. Assim sendo, logo abaixo, a leitura terá como ponto de partida os autos da execução penal e, logo após, os princípios. Portanto, desejamos uma boa leitura! 1 OS AUTOS DA EXECUÇÃO PENAL O processo de execução é um único processo, mesmo nos casos em que existem diversos apensos (tratando-se dos processos físicos). Ele é dividido, para facilitação, em diversos assuntos, tais assuntos dizem respeito aos denominados incidentes. Por exemplo, no momento em que o sentenciado pugna pela progressão de regime prisional, forma-se um apenso que terá como objetivo, exclusivamente, o trâmite dessa questão. 1.1 Princípios A execução penal é, assim como todos os demais remos do Direito, norteada por importantíssimos princípios, dentre os quais, mencionarei os mais importantes conforme a minha interpretação. Princípio da humanidade: encontra-se consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos e, ainda, no Brasil, tal princípio está positivado na Constituição Federal , mais precisamente na dignidade da pessoa humana. Em suma, tal princípio dispõe da vedação de penas cruéis, desumanas, veda a tortura, o confinamento solitário prolongado, com cela escura ou constantemente iluminada, etc. Princípio da legalidade: também com fundamento constitucional, pois não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Logo, com a utilização do termo pena, tem-se como obrigação interpretá-lo como sanção. Além da previsão constitucional, temos a redação do artigo 45 da LEP , com a seguinte previsão: “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”. Princípio da individualização da pena: A CF/88 , art. 5º , estipula que a lei regulará a individualização da pena. Tal princípio, de forma singela, evidentemente, enfatiza que as autoridades responsáveis pela execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, sem infligir prejuízo ao Condenado (costumeiramente nos casos de exames criminológicos), incluindo, na mesma esteira, a exclusão da apreciação de um determinado caso concreto (administrativa ou judicialmente) de maneira genérica, exemplo nítido nos casos de matéria disciplinar elevando o sofrimento de forma generalizada. Princípio da presunção de inocência: expressos nos seguintes diplomas legais, Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Pacto São José da Costa Rica e, até mesmo na Carta Magna de 1988. O princípio, também conhecido como estado de inocência, além de outras hipóteses, é aplicável ao Sentenciado, principalmente nas hipóteses de sindicâncias decorrentes de falta disciplinar, no ínterim da execução da pena. E, por último, o princípio da razoável duração do processo: sabidamente, sobretudo aos juristas que lidam diretamente no âmbito da execução penal, é recorrente as críticas acerca da lentidão para a apreciação dos pleitos no âmbito da execução penal. Tal princípio encontra arrimo no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (1966), o qual assegura ao Preso o direito de julgamento em prazo razoável, ou a colocação em liberdade; também tem previsão no Pacto de São José da Costa Rica (CADH), ao estabelecer que toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um Juiz para um julgamento em prazo razoável. 1.2 GUIA DE RECOLHIMENTO Com a autuação da guia de recolhimento, em conjunto com seus respectivos documentos, temos o início da execução. Após a confecção dessa guia, caso hajam demais execuções, todas serão apensadas a essa primeira execução. Essa guia é expedida pelo Juiz de piso, o qual deverá remetê-la ao Juízo da execução. Tal guia poderá ser provisória nos casos em que o sentenciado iniciar o cumprimento de pena antes de transitar em julgado sua sentença penal condenatória, ou, ainda, ser definitiva, no momento em que a sentença penal já estiver com a certidão de trânsito. Segue, para melhor compreensão, as preciosas palavras do NUCCI acerca da guia de recolhimento: Desse modo, a guia de recolhimento constitui não somente a petição inicial da execução penal, como a comunicação formal e detalhada à autoridade administrativa, responsável pela prisão do condenado, do teor da sentença (pena aplicada, regime, benefícios etc.). Deve conter todos os dados descritos nos incisos do art. 106, acompanhada das cópias das peças que instruíram o processo principal, de onde se originou a condenação. Os detalhes, em especial quanto às datas (fato, sentença, acórdão, trânsito em julgado etc.), são úteis para o cálculo da prescrição, uma das primeiras providências a ser tomada pelo juiz da execução penal. Não há sentido em se providenciar a execução de pena prescrita. (NUCCI, 2018, p. 152). 1.3 FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA Como elucidado acima, o início da execução da pena ocorre com a autuação da guia de recolhimento e compete ao juízo de piso – aquele que proferiu a sentença penal – expedir a referida guia. A competência do juízo das execuções sempre será o local no qual o Sentenciado estiver cumprindo pena e, modificará, também, sempre que se transferir de comarca. Em suma: no processo de execução a competência é deslocada sempre que o Sentenciado é transferido de comarca, diferentemente do que ocorre no processo de conhecimento. E mais, de nada importa se a Sentença tenha sido proferida pela Justiça Federal ou Estadual, estando o Condenado esteja cumprindo sua pena em um presídio Estadual, a competência para o processamento da execução penal será do Juiz de direito daquela comarca. Em termos práticos, determinado Sentenciado se encontra em cumprimento de pena no regime fechado na comarca de Avaré, mas atinge o lapso temporal e progride para o regime semiaberto e é transferido para a comarca de Porto Feliz e, por último, com o lapso temporal do regime aberto vai para a comarca da sua residência – por exemplo – São Bernardo do Campo. Nesse esquema, em cada comarca durante o cumprimento de pena havia um Juízo diverso competente. 1.4 ROTEIRO DE PENAS Inicialmente vamos supor a seguinte situação: determinado Sentenciado que não ostente nenhuma condenação (logo, nenhuma execução em curso) assim, após o trânsito em julgado da Sentença penal, será formado um apenso denominado de roteiro de penas. O cálculo de penas conterá a data do início do cumprimento dessa pena (frequentemente chamada por ICP), aqui, todas as frações de lapso temporal para a obtenção das progressões, do livramento, indulto , detração de penas, remissão, bem como o término de cumprimento de pena (este último, também, comumente chamado por TCP). Esse cálculo tem o seguinte sentido: demonstrar o momento em que será possível pugnar por cada instituto retromencionado, até mesmo o final da pena, o TCP. Diante das inúmeras possibilidades no processo de execução, o roteiro de penas sofrerá, consequentemente, diversas modificações. Isto é, pode ocorrer nesse trâmite processual uma unificação de pena, remição, comutação, ocorrendo, nesse sentindo, a modificação do término do cumprimento de pena. Outros apensos poderão iniciar e sempre dependerá do fato a ser pleiteado nessa fase processual. No transcorrer da pena, atinge-se o lapso temporal para o pleito da progressão de regime, logo, protocola-se tal pedido. Tão logo o cartório recebe a petição, o respectivo apenso será autuado. 2 PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Cada tipo penal tem o denominado preceito secundário, e em alguns casos tal preceito positiva a pena privativa de liberdade. Como exemplo, o tipo penal incriminador positivado no artigo 121: matar alguém; e, como pena, traz a seguinte redação: reclusão de seis a vinte anos. O matar alguém do crime de homicídio é o preceito primário e a pena – 6 a vinte anos – por sua vez, é o preceito secundário. No ordenamento jurídico pátrio temos a previsão legal de três espécies de penas privativas de liberdade: reclusão, detenção e prisão simples. A reclusão destina-se a aos crimes tidos como grave. A detenção tem como escopo os crimes de menor gravidade, além dos crimes culposos. A prisão simples, por fim, é destinada exclusivamente aos casos de contravenção penal. 2.2 REGIMES PRISIONAIS Imperioso destacar, mesmo sendo matéria usualmente abordada em Direito Penal, pontos relevantes para uma melhor elucidação de acerca da execução Penal. No transcorrer do processo de execução da pena, o regime prisional poderá ser modificado em pontuais ocasiões, isto é, quando ocorrer a soma das penas, unificação de penas, ou na regressão ou progressão de regime. O Brasil prevê, em seu ordenamento jurídico criminal, o sistema progressivo de pena e, nesse sistema possuem três modalidades de pena: fechado, semiaberto e o aberto. Esses regimes é a manifestação do princípio da individualização da pena, pois conforme a quantidade da pena imposta, conforme as circunstâncias judiciais de cada Sentenciado e a depender de ser reincidente, ou não, o agente poderá iniciar o cumprimento de sua pena em um dos regimes existentes. Compete ao Juiz de piso (primeiro grau) estabelecer na sentença condenatória o regime inicial de cumprimento da pena imposta. Melhor elucidando o retro apresentado, o destaque da brilhante lição de Luiz Regis Prado será de grande valia, veja: Preceitua o atual Código Penal (art. 33, caput) que a pena de reclusão deverá ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto; a pena de detenção, porém, será executada em regime semiaberto ou aberto – admitindo-se, excepcionalmente, a regressão para o regime fechado. São, portanto, três os regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade, a saber: a) regime fechado: neste a pena privativa de liberdade será executada em estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, § 1 .0, a); b) regime semiaberto: admite a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 33, § l .º, b) ; c) regime aberto: o cumprimento da pena dá-se em casa de albergado ou estabelecimento adequado (art. 33, § 1º, e). Desse modo, tem-se que no regime fechado o cumprimento da pena é feito em penitenciária, construída – quando se tratar de condenados homens – em local afastado do centro urbano, a distância que não restrinja a visitação (arts. 87 e 90 , LEP ). “A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios poderão construir Penitenciárias destinadas, exclusivamente, aos presos provisórios e condenados que estejam em regime fechado, sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, nos termos do artigo 52 desta Lei” (art. 87 , parágrafo único , LEP ). (PRADO, 2014, p. 462). 2.3 REGIME FECHADO Os Sentenciados que forem condenados pela prática de crimes puníveis com reclusão, e a pena cominada for maior que oito anos, iniciarão o cumprimento dessa pena no regime fechado. Matéria trazida pena redação do artigo 33 , parágrafo segundo, alínea a, do Código Penal . Os crimes puníveis com detenção, em detrimento dos puníveis com reclusão, em hipótese alguma terão o início do cumprimento no regime fechado, mesmo que tenha o reconhecimento de reincidência. Contudo, temos os casos em que há a regressão de regime, daí a jurisprudência entende como cabível. O mesmo artigo acima exposto – 33 , CP – no parágrafo primeiro, alínea a, determina que o cumprimento será em estabelecimento de segurança média ou máxima. Nesse mesmo regime, logo no início, o Sentenciado faz o exame criminológico o qual terá o escopo de classificar e individualizar a pena de cada Sentenciado. Sobre o trabalho: permitido no período diurno e o isolamento no repouso noturno; o trabalho é comum dentro da unidade prisional, levando em conta a qualificação pregressa de cada indivíduo; e, por fim, há a possibilidade do trabalho externo, desde que seja realizado em serviços ou obras públicas. 2.4 REGIME SEMIABERTO Diferentemente de todo o exposto acerca do regime acima (fechado), o regime semiaberto determina que os condenados por crimes puníveis com reclusão ou detenção, não reincidentes, com pena superior a quatro e que não exceda a oito anos, iniciarão sua pena nesse regime (semiaberto), redação do artigo 33, parágrafo segundo, alínea b. Para o ingresso nesse regime, o Código Penal exige a não reincidência como requisito. Além disso, deve ser observado as circunstâncias judiciais do artigo 59 , CP . As circunstâncias judiciais deverão ser ponderadas pelo magistrado, tidas como circunstâncias que envolvem o crime nos aspectos objetivos e subjetivos, tão logo que estiver na dosimetria da pena. Nesses ditames acima elencado é que o ordenamento jurídico brasileiro – mais precisamente o Direito Penal – dá condição legal para que o Sentenciado inicie o cumprimento de sua pena no regime inicial fechado, mesmo que sua pena esteja abaixo dos oito anos. Essa possibilidade reside, desde que o agente seja reincidente e as circunstâncias judiciais sejam favoráveis para essa pena. 2.5 REGIME ABERTO Por fim o regime aberto. Nesse regime, o Sentenciado que for condenado pela prática de crime punível com reclusão ou detenção simples, não reincidente e desde que a pena cominada seja igual ou inferior a quatro anos. Conteúdo exposto pela redação do artigo 33 , parágrafo segundo, alínea c do Código Penal . O cumprimento da pena no regime aberto será em casa e albergado ou em estabelecimento penal adequado à pena, CP , art. 33 , parágrafo primeiro, alínea c). Nesse regime, por obvio, exige-se do Sentenciado disciplina e responsabilidade, o qual deverá – sem vigilância estatal – trabalhar, estudar, ou exercer alguma atividade autorizada e, ainda, manter-se recolhido à noite e nos dias em que estiver de folga. Imperioso o destaque do artigo 114 da Lei de Execução Penal , pois tal artigo determina alguns critérios, quais sejam: estar, o Sentenciado, trabalhando ou que comprove a possibilidade de trabalhar tão logo que iniciar o regime e, ainda, demonstrar conforme seus antecedentes ou pelos exames realizados que terá comprometimento, disciplina e responsabilidade diante do novo regime. Aos maiores de setenta anos o Juiz poderá estabelecer condições extraordinárias (especiais) para que seja possível a concessão do regime aberto. Vejamos: permanência no local estabelecido, no ínterim do repouso e nos dias de folga; ir e voltar do trabalho nos horários fixados; não sair da comarca na qual resida sem prévia autorização judicial; e, por fim, comparecer a Juízo para informar e justificar – o famoso período de prova – sempre que solicitado. Ponto importantíssimo no que diz respeito às condições especiais no que tange ao regime do semiaberto. O Magistrado jamais poderá impor alguma prestação de serviço à comunidade, a perda de bens e valores, limitar o fim de semana, interditar temporariamente de direito. Tudo isso, caso ocorra, é provável que ocorra a denominada por excesso de execução. Corroborando com o supramencionado, temos a redação da Súmula de número 493 do Superior Tribunal de justiça: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP ) como condição especial ao regime aberto”. 2.6 APLICAÇÃO CONCOMITANTE DE RECLUSÃO E DETENÇÃO Pouco acima, abordamos a impossibilidade de aplicação do regime inicial fechado aos crimes punidos com detenção. Ocorre que é perfeitamente possível que o Sentenciado esteja respondendo processualmente por dois crimes, ou mais, concomitantemente, um punível com reclusão e outro com detenção. No caso acima, dois processos tramitando no mesmo ínterim, sobrevindo duas condenações – uma de reclusão e outra de detenção – e, ao serem executadas, será da seguinte forma: a pena mais grave será iniciada primeiramente. Isso é o que aduz o Código Penal , artigo 69 , caput, parte final: Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. 2.7 REGIME INICIAL DOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS A Lei 8.072 /1990 no que consta do artigo 2º , parágrafo primeiro, tinha, outrora, a previsão de que o cumprimento da pena, nos casos de hediondez, deveria ser integralmente no regime fechado. Contudo, o Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade deste dispositivo legal. Diga-se de passagem, acertadamente! Com essa decisão sobreveio a nova redação do Art. 2º , parágrafo primeiro, da Lei de Crimes Hediondos . Essa redação passa a prever que a pena dos crimes hediondos e equiparados (tráfico tortura e terrorismo) deverá ser inicialmente – não mais integralmente – fechado. E, mesmo com essa nova redação de cumprir inicialmente no fechado, o STF declarou a inconstitucionalidade do cumprimento da pena dos crimes hediondos e equiparados, obrigatoriamente, no regime fechado. Nesse diapasão, a aplicação da pena, já dosada, com a pena incialmente no fechado, deverá obrigatoriamente ser fundamentada sob pena de nulidade. Tudo isso em decorrência da ofensa ao princípio da individualização da pena. 3 progressão de regime Adentramos no último tema do presente trabalho, e nesta oportunidade abordaremos o sistema progressivo adotado no regime jurídico pátrio (sistema progressivo). Tal regime impõe alguns requisitos, por exemplo, na hipótese de determinado sentenciado não cumprir as regras do estabelecimento prisional ou, ainda, caso sobrevenha nova condenação, bem provável que tenha um regressão de regime em seu desfavor (ir do aberto ao semiaberto, ou pior, ir do semiaberto ao fechado). Logo, diante do exposto, pode dizer que a progressão é um sistema de direito subjetivo o qual necessita de certos requisitos devidamente preenchidos – requisitos, estes, legais – os quais dão a possibilidade de migrar de um regime mais gravoso para um mais benéfico. É um sistema fracionado: fechado, semiaberto e aberto e, por fim, como última etapa, temos o denominado livramento condicional. Válido mencionar, agora, que o livramento não é um regime prisional, pois como dito há pouco, temos no ordenamento jurídico pátrio apenas três regimes, reitero: fechado, semiaberto e aberto. Outro importantíssimo ponto para tecermos comentários é a impossibilidade da progressão per saltum. No Brasil existe a possibilidade jurídica da regressão por salto, o contrário – progressão – não. À luz do acima escrito, temos a seguinte possibilidade: caso algum Sentenciado esteja em pleno cumprimento do regime fechado, essa execução não poderá ter o regime semiaberto ignorado e ter como fim o cumprimento de pena nos moldes do regime aberto, ou seja, é vedado ir do regime fechado ao aberto. Obrigatoriamente, percebam, a execução deverá ser cumprida no regime sequente. E mais, o contrário é diferente: caso o Sentenciado esteja cumprindo o regime aberto e vier a praticar algum tipo de falta grave, é possível que volte diretamente ao regime fechado – exatamente isso – a regressão por salto, aqui, na regressão, é possível. Anteriormente a vedação ao instituto aqui tratado estava implicitamente contida na Lei de Execução Penal , artigo 112 , caput. O mesmo artigo, no entanto, em 2019 e com a nova redação trazida pela Lei 13.964 , foi alterado pela seguinte redação: Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos… Nessa nova redação não há mais a previsão que exigia que o Sentenciado que atingisse o lapso temporal para a progressão deveria cumprir, com a devida progressão, o regime seguinte. Isso é dizer que, nos ditames da LEP , é possível que se realize o salto do regime fechado ao aberto. Trata-se de uma novatio legis in mellius, logo, deve retroagir para o benefício de todos que estejam em cumprimento de pena. Nem tudo foram flores, pois, a mesma Lei que permitiu a progressão por salto, também, recrudesceu o regramento para a progressão de regime prisional. Todavia, essa norma mais recrudescida somente será aplicável aos crimes cometidos após a vigência dessa norma: 23 de janeiro de 2019. 3.1 progressão nos crimes comuns antes da lei 13.964/19 Crimes comuns, são os crimes que não estejam listados no rol dos crimes hediondos (Lei 8.072 de 1990) e os equiparados: tráfico, terrorismo e tortura. Crimes comuns serão o cerne desse momento de estudo. A vigência do Pacote Anticrime – Lei 13.964 /2019 – modificou o requisito objetivo. Antes, a Lei de Execução Penal trazia a seguinte forma: Cumprimento de 1/6 da pena, somado ao bom comportamento (requisito subjetivo). O bom comportamento (requisito subjetivo) é o comportamento carcerário do Sentenciado, esse comportamento vem reduzido a termo no boletim informativo e no atestado de conduta carcerária. Documentos, estes, emitidos pela unidade prisional. Havia, outrossim, a possibilidade de exame criminológico e do parecer da comissão técnica de classificação ao Sentenciado que pleiteava pela progressão. Contudo, os Tribunais Superiores pacificaram o entendimento de que, mesmo ausente da redação legal, pode ser realizado desde que seja devidamente fundamentado. Nesse sentido, temos a redação da Súmula Vinculante de número 26: Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072 , de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. 3.2 progressão nos crimes hediondos e equiparados antes da lei 13.464/07 e antes da lei 13.964/19 Agora adentraremos aos crimes hediondos, aqueles listados na redação da lei 8.072 de 1990 e os equiparados – tráfico, tortura e terrorismo – diferentemente do supramencionado. Num primeiro momento abordaremos os crimes hediondos durante a previsão na qual os condenados pela prática desses crimes deveriam cumprir pena integralmente no fechado. Isso é dizer que não haveria possibilidade de progressão. Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal julgou o HC de número 82.959/SP e, por maioria, foi declarado inconstitucional a proibição da progressão de regime aos crimes descritos na lei 8.072 /90. Isso decorreu ante a afronta ao princípio da individualização da pena. A consequência dessa declaração de inconstitucionalidade foi que todos os condenados pelos crimes dessa natureza adquiriram o direito de progredir de regime prisional, conforme o aduzido no artigo 112 da Lei de Execução Penal . Para corroborar com o acima exposto, sobreveio a redação da Súmula 471 do Superior Tribunal de Justiça. SÚMULA N. 471: Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464 /2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210 /1984 ( Lei de Execução Penal ) para a progressão de regime prisional. Porém, o legislador, diante da Súmula acima, previu uma nova redação legal com o aumento do lapso temporal para a progressão desses crimes. Previamente, o lapso seria de 1/6 do cumprimento de pena e, após a vigência da Lei 11.464 /07 – responsável pela nova redação legal – o lapso passou para 2/5 da pena ao condenado primário e, aos reincidentes em crimes hediondos, 3/5 de cumprimento de pena para a progressão. Essa nova redação não é válida, por respeito ao princípio da irretroatividade da Lei penal, aos casos em que a condenação sobreveio anteriormente à vigência do texto legal que recrudesceu o lapso de 1/6 para 2/5 e 3/5. Assim sendo, aos Sentenciados com sentenças transitadas em julgado anteriores à norma acima, mesmo sendo por crime hediondo, o lapso para a progressão será tão somente de 1/6. Ainda, tal qual no item 3.1, o requisito subjetivo é exigido, qual seja: bom comportamento carcerário. Assim sendo, todo o elucidado para os crimes comuns, sobre comportamento, é aplicado aos casos que envolvam os crimes hediondos e equiparados. 3.4 progressão especial Há, ainda, a chamada progressão especial, trazida pela redação da Lei de número 13 /769 de 2018. É uma lei penal mais benéfica e, consequentemente, deve ser aplicada aos crimes praticados antes de sua vigência. Nessa novatio legis, há alguns requisitos para a obtenção dessa progressão, a saber: mulheres gestantes ou que forem mãe ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência; não terem cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; não terem cometido o crime contra seu filho ou dependente; terem cumprido, ao menos, 1/8 da pena no regime anterior; serem primária e terem bom comportamento carcerário, tudo comprovado pelo estabelecimento prisional; e por fim, não estarem integradas às organizações criminosas. Também é aplicada aos crimes hediondos e equiparados essa progressão especial, tendo em vista que a redação desse dispositivo não traz nenhum óbice tampouco distinguiu os crimes comuns dos hediondos e equiparados. 3.5 progressão após a vigência da lei 13.964 /19 Agora, enfim, abordaremos o lapso temporal para a progressão de regime prisional após a vigência do pacote anticrime. Outrora era estipulado, para atingir o tempo para pleitear a progressão, o lapso contabilizado por frações. Hoje, com a nova Lei, temos no ordenamento jurídico diversas e novas frações. Como dito inicialmente, o requisito objetivo foi modificado, vejamos a redação do artigo 112 da Lei de Execução Penal . Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II – 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III – 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V – 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for: condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional; condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. § 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. § 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutacao de penas , respeitados os prazos previstos nas normas vigentes. § 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente: I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; V – não ter integrado organização criminosa. § 4º O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do benefício previsto no § 3º deste artigo. § 5º Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343 , de 23 de agosto de 2006. § 6º O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena remanescente. Imperiosos destaques atinentes ao retro exposto, os incisos que tratam especificamente da reincidência, não de quê se olvidar que a reincidência deverá ser específica. A reincidência simples, no entanto, terá um percentual menor em detrimento da progressão para o reincidente específico. 4 Considerações Finais Como proposto, aduzimos alguns temas de forma mais superficial e, outros, mais detidamente. a execução penal, bem como suas modificações trazidas pela vigência do pacote anticrime e a progressão de regime prisional, é um tema exponencial à ciência penal, por conseguinte, foi o tema deveras estudado pelo autor porquanto é inimaginável o operador do direito (principalmente a defesa) negligenciar tal matéria e possuir, concomitantemente, um desemprenho satisfatório em seu trabalho Referências Bibliográficas MARCHI JÚNIOR, Antônio de Padova; PINTO, Felipe Martins. Execução Penal, constatações, críticas e alternativas. 1ª ed. Cutitiba, Juruá, 2008. MIRANDA, Rafael de Souza. Execução Penal, teoria e prática. 2ª ed. Bahia. Juspodivm, 2020. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 1ª ed. Rio de Janeiro. Gen Forense, 2018. PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2014. ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal teoria crítica. 4ª ed. São Paulo. Saraiva, 2018.
25 de agosto de 2023
SUMÁRIO INTRODUÇÃO.. 1 1 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.. 2 1.1 Causas extintivas da puniblidade. 3 1.2 Efeitos da extinção da punibilidade. 5 1.3 Causas não previstas no rol do arigo 107 do Código Penal 5 1.4 Momento de ocorrência das causas extintivas da punibilidade. 6 2 PRESCRIÇÃO.. 7 2.1 Observações introdutórias. 7 2.2 Fundamentos políticos da prescrição. 8 2.3 Prescrição da pretensão punitiva. 9 2.4 Causas impeditivas da prescrição. 11 2.5 Causas interruptivas da prescrição. 12 3 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA VIRTUAL, ANTECIPADA OU EM PERSPECTIVA.. 13 3.1 Julgados de reconhecimento e aplicação da prescrição antecipada. 14 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.. 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.. 18 Introdução Nossa principal proposta, com o presente trabalho, é expor um tema positivado na parte geral do Código Penal , qual seja: extinção da punibilidade. Matéria de ordem pública e de fundamental importância não apenas ao Código Penal , mas sim, ao processo crime como um todo. Nossa principal proposta, com o presente trabalho, é expor um tema positivado na parte geral do Código Penal , qual seja: extinção da punibilidade. Matéria de ordem pública e de fundamental importância não apenas ao Código Penal , mas sim, ao processo crime como um todo. Como a extinção da punibilidade traz um enorme leque de possibilidades, existentes tanto no Código Penal quanto em leis esparsas, restringimos a temática na extinção da punibilidade em decorrência da prescrição da pretensão punitiva. Abordaremos, no corpo do texto, temas como: o que é extinção da punibilidade, o que vem a ser punibilidade, as causas que extinguem a punibilidade (de forma não exaustiva), escusas absolutórias com seus motivos e consequências, efeitos da extinção e suas causas que não estão previstas no Código Penal , bem como o momento de sua ocorrência. Expostos, também, de forma mais pormenorizada, a prescrição e seus respectivos prazos, seus fundamentos políticos, a prescrição antes de transitar em julgado, sua tabela para o cálculo, suas causas extintivas e suspensivas e, finalmente, a prescrição virtual aplicada, exclusivamente, no primeiro grau de jurisdição. Trata-se de um artigo, portanto, não temos o escopo de exaurir o tema. Contudo, alguns itens serão expostos com um caráter mais vertical. Por fim, válido justificar que a motivação para tratarmos desse tema, foi a disparidade na interpretação do sistema de prescrição em perspectiva, sabemos que é utilizada por muitos juízes de piso, porém, já no âmbito dos Tribunais, o entendimento é diverso: eles repudiam! Ocasionando, muitas vezes, a reforma da Sentença. 1 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE O trabalho, inicialmente, antes de discorrer sobre a prescrição da pretensão punitiva na modalidade virtual e sua aplicabilidade nos dias atuais – tema central do trabalho – discorrerá acerca da extinção da punibilidade, de modo geral. Pois, não podemos avançar ao tema fulcral antes de apresentar o gênero e, após isso, podemos adentrar à espécie. Sempre em busca de uma melhor compreensão do leitor. E, indo nessa direção, o que seria, mesmo, extinção da punibilidade? A priori, podemos afirmar que extinção da punibilidade é a perda do direito de punir do Estado. Vale dizer, no exato momento em que uma pessoa incorre em uma infração penal, o Estado, com o seu poder de punir – jus puniendi – imporá ao infrator uma sanção penal. Esse poder do Estado está inerte, porém, com o cometimento do crime, o poder estático torna-se concreto. Eis que surge a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de o Estado – todo poderoso, com muitas exceções, claro – impor a sanção. Para corroborar com o acima exposto, de forma oportuna, traremos a obra de Júlio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini. Especificamente no capítulo em que trata sobre a extinção da punibilidade, punibilidade e seu conceito. A prática de um fato definido na lei como crime traz consigo a punibilidade, isto é, a aplicabilidade da pena que lhe é cominada em abstrato na norma penal. Não é a punibilidade elemento ou requisito do crime, mas sua consequência jurídica, devendo ser aplicada a sanção quando se verificar que houve o crime e a conduta do agente culpável. Com a prática do crime, o direito de punir do Estado, que era abstrato, torna-se concreto, surgindo a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de impor a sanção. (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 367). Com o mesmo objetivo de embasar nosso posicionamento inicial acerca da extinção da punibilidade, traremos à baila a clássica obra de Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, publicada em 1959 com os seguintes dizeres: A pena não é elemento do crime, e sim seu efeito ou conseqüência, donde, assisadamente, o Código previu aqui causas que extinguem a punibilidade ou o jus puniendi do Estado. Dá-se, como diz Maggiore, uma renúncia, uma abdicação, uma derrelição do direito de punir do Estado. Deve dizer-se, portanto, com acêrto, que o que cessa é a punibilidade do fato, em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política”. (NORONHA, 1959, p. 481) Com todo o conteúdo acima exposto, podemos dizer que a punição é a consequência natural da realização da ação típica, antijurídica e culpável. Contudo, após a prática do fato tido como crime podem ocorrer causas que obstam a aplicação da sanção penal. Válido, ainda, mencionar que o que extingue é o ius puniendi do Estado, não a ação penal deflagrada ou na iminência de ser. A doutrina alemã fala em Wagfall des staatlichen Staatsanspruchs, quando trata da perda do direito de punir por parte do Estado. 1.1 CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBLIDADE Ainda que o agente pratique uma infração penal, é possível que ocorra uma causa extintiva de punibilidade, a qual, por sua vez, impedirá o exercício do ius puniendi do Estado. As ocasiões que possibilitam tal condição estão positivadas no artigo 107 do Código Penal . Quais sejam: Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: I – pela morte do agente; II – pela anistia, graça ou indulto ; III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV – pela prescrição, decadência ou perempção; V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI – pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII – (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Apenas para esclarecimento, evitando eventual confusão nos institutos penais, não podemos entender como iguais as causas extintivas de punibilidade com escusas absolutórias. Por não ser o tema central do nosso artigo, tecerei alguns comentários, singelos comentários, para ficar claro, de forma não exaustiva, que a extinção de punibilidade está prevista na parte geral do Código Penal e, no que tange as escusas absolutórias, sua previsão está contida na parte especial deste códex. E o que são escusas absolutórias? São causas que que fazem com que um determinado fato típico e antijurídico, mesmo existindo a culpabilidade do agente infrator, a este não se associe pena alguma por razões de utilidade pública. São denominadas, também, como causas de exclusão ou isenção de pena. As escusas absolutórias deixam o crime íntegro, bem como sua culpabilidade. O fato típico e antijurídico, ainda, estão presentes e o agente culpável; entretanto, isento de pena. Brilhantemente nos ensina Luiz Régis Prado, em seu Curso de Direito Penal, o conceito de escusas absolutórias e sua consequência. Segue, como referência, uma passagem acerca do tema para corroborar com nosso posicionamento acima exposto: As escusas absolutórias são causas pessoais de isenção de pena. Embora configurado o delito em todos os seus elementos constitutivos, presentes as escusas absolutórias não ocorrerá a imposição da pena abstratamente cominada. Exemplo: a imunidade penal absoluta nos delitos contra o patrimônio (art. 1 8 1 ,I e I I , CP ). Desse modo, são isentos de pena aqueles que praticam qualquer dos crimes contra o patrimônio – salvo exceção consignada no artigo 183, 1, II e III, CP – em prejuízo do cônjuge, na constância da sociedade conjugal, do ascendente ou do descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural. (PRADO, 2014, p. 581). 1.2 EFEITOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE As causas extintivas da punibilidade podem ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença e, nesse sentido, como regra, atinge-se o próprio direito de punir e não persistirá qualquer efeito do processo ou, até mesmo, da sentença penal condenatória. No perdão judicial e no indulto , por sua vez, podem restar alguns efeitos da condenação. Exemplos desses efeitos estão nos perdões judiciais e nos indultos. As causas extintivas podem, ainda, ocorrer depois do trânsito em julgado. Nesses casos, extingue-se tão somente o título penal da execução ou, alguns de seus efeitos, como a pena. Há casos em que são extintos todos os efeitos da sentença condenatória e o próprio delito não poderá, por óbvio, ser mais considerado. Logo, excluem todos os efeitos penais que decorrem do crime. 1.3 CAUSAS NÃO PREVISTAS NO ROL DO ARIGO 107 DO CÓDIGO PENAL As causas extintivas da punibilidade, ordinariamente, estão previstas no rol do artigo 107 , CP . Ocorre que esse rol não tem o caráter exaustivo, existem outras elencadas na lei penal seja na parte gral ou especial. Alguns exemplos, a saber: o ressarcimento do dano no peculato culposo, que consta do artigo 312, parágrafo terceiro: Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: § 3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta. Outrossim, é causa extintiva da punibilidade a conciliação realizada nos moldes do artigo 520 do Código de Processo Penal , nos crimes contra à honra – calúnia, difamação e injúria – nos quais a competência é do juiz singular, porque, ocorrendo a reconciliação, a ação penal privada (Queixa-Crime), artigo 522 , CPP . Art. 520. Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo. Art. 522. No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o termo da desistência, a queixa será arquivada. Temos o bastante para uma boa compreensão de que o rol do artigo 107 do Código Penal não é exaustivo. Suficiente, portanto, para prosseguirmos com o texto. 1.4 MOMENTO DE OCORRÊNCIA DAS CAUSAS EXTINTIVAS DA PUNIBILIDADE A causa extintiva da punibilidade poderá ocorrer em duas ocasiões, seja antes da sentença penal condenatória ou após a sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Mas afinal, há diferença entre as duas situações? Sim, há! A relevância reside na questão da reincidência e em outros efeitos da sentença já irrecorrível. Para maior especificidade, se a causa extintiva da punibilidade ocorrer antes da sentença transitada e o agente praticar outro crime, não será considerado reincidente. Agora, na hipótese de a causa extintiva da punibilidade ocorrer após a sentença condenatória já transitada em julgado, como regra, o agente ao cometer novo crime, será considerado reincidente. Essa foi a regra, agora, como de costume, vamos às duas exceções existentes. A primeira é a abolitio criminis, que poderá acontecer antes da sentença ou depois dessa sentença já estiver transitada. Nesta última hipótese, a lei nova supressiva de incriminação rescinde a condenação que já ostenta a condição de irrecorrível. A segunda exceção está nos casos em que o agente é anistiado, a qual poderá ocorrer antes da sentença final ou após o trânsito em julgado. Após o trânsito, a anistia rescindirá, também, aquela condenação que mantinha o caráter de irrecorrível. Logo, quando o agente tiver em seu favor uma abolitio criminis ou uma anistia, após o trânsito e por algum motivo cometer novo crime, não será considerado reincidente. 2 PRESCRIÇÃO 2.1 observações introdutórias Com a ocorrência do delito nasce para o Estado o ius puniendi. Tal direito é denominado como pretensão punitiva e, por sua vez, não é permitido que tal instituto se protraia ad aeternum. Nessa esteira, o Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir. Tais limites, para aferir de forma proporcional, leva em consideração a gravidade da conduta delituosa e de sua pena em abstrato correspondente. Assim que o prazo chega ao fim, prazo este positivado no próprio Código Penal , o direito de punir do Estado é extinto. Logo, podemos definir este instituto – prescrição – como a perda do direito de punir do Estado, diante do escoamento do tempo e omissão no exercício de seu poder conforme o prazo fixado em lei. A prescrição constitui causa extintiva de punibilidade, prevista no artigo 107 , IV , CP . Válido mencionar que, nossa Constituição Federal declara que há alguns crimes que não são tutelados pela presente matéria, isto é, nosso ordenamento jurídico prevê crimes que são imprescritíveis. A saber: prática de racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático de direito, elencados no artigo 5º, incisos XLII e XLIV. No ordenamento jurídico pátrio a prescrição é considerada como direito material, e não processual, tendo em vista que aduz o código penal . É de ordem pública, devendo ser decretada de ofício a requerimento do Ministério Público ou do interessado. Havendo prescrição, o juiz não pode combater o mérito da causa. Devendo, portanto, declarar a prescrição, de ofício, em qualquer fase da persecução penal. Agora resta-nos saber o início da contagem do prazo, pois, nesse ínterim, já temos base uma boa base acerca desse instituto e não mencionamos, claramente, qual seria seu início. Pois bem, o início da contagem do prazo prescricional começar a correr: no dia em que o crime se consumou; no caso de tentativa, do dia que cessou a atividade criminosa; nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; e, por fim, nos crimes de bigamia e nos crimes de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. Esse rol tem previsão no artigo 111 do Código Penal . Trazendo um toque de brilhantismo ao corpo do presente trabalho, farei referência às palavras do Professor Edgard Magalhães Noronha para expor, de forma ímpar, o instituto da prescrição. Segue: O jus puniendi do Estado extingue-se também pela prescrição. Estada é a perda do direito de punir, pelo decurso do tempo, ou noutras palavras, o Estado, por sua inércia ou inatividade, perde o direito de punir. Não tendo exercido a pretensão punitiva, no prazo fixado em lei, desaparece o jus puniendi. (NORONHA, 1959, p. 506) 2.2 fundamentos políticos da prescrição Para legitimar a necessidade da prescrição, temos alguns fundamentos que embasam sua utilização. A seguir, abordaremos, singelamente, tais fundamentos. O decurso do tempo leva ao esquecimento do fato: assim, se o poder de punir se justifica exclusivamente pelo critério da necessidade, todo o exercício do poder repressivo será injustificado, quando não pareça necessário; O decurso do tempo leva à recuperação do criminoso: com o decurso do tempo e a inércia do Estado, a pena perde seu fundamento, esgotando-se os motivos do Estado para desencadear a punição; O Estado deve arcar com sua inércia: é inaceitável a situação de alguém que, tendo cometido um delito, fique sujeito, ad infinitum, ao império da vontade estatal punitiva. Se existem prazos processuais a serem cumpridos, a sua não observância é um ônus que não deve pesar somente contra o réu. A prestação jurisdicional tardia, salvo naquelas infrações constitucionalmente consideradas imprescritíveis, não atinge o fim da prescrição, qual seja, a realização da justiça; O decurso do tempo enfraquece o suporte probatório: podemos dizer que esse elemento é processual. O longo lapso temporal faz surgir uma dificuldade em reunir provas que possibilitem uma justa apreciação do delito. E, com a incerteza na apuração dos fatos, a defesa ficará precária; Expiação moral: com o desempregado, com a perda de seu prestígio popular, doente, deprimido pelo ocorrido e sem amigos. Muitos se afastam, mesmo sem sentença penal condenatória transitada em julgado, passará a viver recluso, convertida em prisão domiciliar voluntária e sua situação, certamente, se estenderá por muito tempo; e Expiação psicológica: o tempo modifica a constituição psicológica do culpado, pois não há mais nexo entre o fato e o agente. Em palavras diversas, com o longo decurso do tempo, o culpado já será uma outra pessoa e, no caso de sofrer uma punição, o agente que sofrerá será uma pessoa diversa daquela que havia cometido o fato há muito tempo. 2.3 prescrição da pretensão punitiva A prescrição da pretensão punitiva é regulada pela pena abstrata cominada em lei penal incriminadora, seja o delito na modalidade simples, seja na modalidade qualificada. O prazo prescricional sofre variações de acordo com o máximo da pena abstrata, aquela contida no preceito secundário do tipo penal. Válido expor que não levamos em consideração a pena de multa, independentemente de ela vir cumulada ou de forma alternada. O Código Penal expõe o instituto no artigo 109 , uma espécie de tabela facilitando a compreensão para mensurarmos o lapso temporal da prescrição. Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV – em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. Máximo da pena privativa de liberdade Prazo prescricional + de 12 anos = 20 anos + de 8 a 12 anos = 16 anos + de 4 a 8 anos =12 anos + de 2 a 4 anos = 8 anos + de 1 a 2 anos = 4 anos menos de 1 anos = 3 anos Para o cálculo do prazo prescricional levamos em consideração as causas de aumento de pena, bem como as de diminuição, sendo elas obrigatórias e estejam presentes na acusação, com a inclusão da exacerbação no que concerne à forma qualificada. Todavia, são irrelevantes para o cálculo, as circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas, tendo em vista que não tem o poder de influenciar o limite máximo da pena em abstrato. E mais, devemos expor o artigo 118 , CP , o qual determina que as penas mais brandas prescrevem com as mais graves. Nos casos que envolvam a prescrição da pretensão punitiva esse artigo faz referência a pena cominada de caráter alternativo com a mais grave imposta pela prática no mesmo crime, isto é: reclusão ou detenção, detenção ou multa… Na mesma forma, prescreverá a pena de multa cominada conjuntamente com a pena privativa de liberdade no prazo estabelecido para esta última. O artigo 114, inciso II, dispõe, por sua vez, que a prescrição da pretensão punitiva ocorrerá no mesmo prazo estabelecido para a prescrição da pena privativa de liberdade nos casos em que a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada. Entretanto, o prazo para que seja prescrita, a pena de multa, são de 2 (dois anos, caso ela seja única pena aplicada, artigo 114, II, do mesmo códex. Quando o caso nos traz uma situação em que há concurso de crimes, o artigo 119 , CP , determina que a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um dos delitos, de forma totalmente isolada. Tanto o concurso material, quanto o concurso formal, bem como o crime continuado, estão abrangidos por esse artigo. Súmula 497, STF. “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”. O instituto, ora tratado, dispõe, em consonância com o explícito no artigo 115, que o prazo prescricional poderá ser reduzido pela metade, todavia, para que o agente tenha tal benefício em seu favor, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Quais sejam: ser maior de 70 (setenta) anos até a data da sentença penal condenatória. Isso é dizer, se a decisão do juiz de piso for de absolvição e, somente em sede recurso sobrevier um acórdão condenatório, o prazo a ser verificado será a data da primeira decisão condenatória, logo, do acórdão. Agora, o segundo requisito é para a conquista da redução à metade é: ser o autor do comportamento delituoso, ao tempo do fato, menor de 21 (vinte e um) anos de idade. 2.4 Causas impeditivas da prescrição São aquelas que suspendem o curso do prazo prescricional, que começa a contar pelo tempo restante, após cessadas as causas que que determinaram sua suspensão. Desta feita, o tempo anterior é somado ao tempo posterior à cessação da causa que determinou a suspensão do curso do prazo prescricional. O prazo de suspensão é objeto sumulado, tendo em vista o teor da súmula 415, STJ, qual seja: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”. O artigo possui dois incisos. O inciso um diz que, enquanto não resolva, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento existência de crime. Para exemplificarmos, traremos o tipo penal de bigamia. Pois, se a validade do casamento anterior estiver sendo discutida no juízo cível, o curso da ação penal ficará suspenso, suspendendo-se, outrossim, o prazo prescricional, até o momento da resolução da questão prejudicial. Assim que estiver decidida, o processo crime retoma seu curso normal e tem-se por reiniciado o lapso prescricional. E nesse diapasão, o juízo criminal fica vinculado à decisão proferida pelo juízo cível. O inciso dois, do mesmo artigo, por sua vez, cuida da hipótese do agente que cumpre pena no estrangeiro, diante da impossibilidade de extradição do criminoso. 2.5 causas interruptivas da prescrição Ao contrário do que ocorre com as causas suspensivas, abordada no item acima, as quais permitem a soma do tempo anterior ao fato que deu causa à suspensão da prescrição, com o tempo posterior, as causas interruptivas têm o escopo de fazer com que o prazo, a partir delas, seja novamente reiniciado, ou seja, após cada causa interruptiva da prescrição deve ser procedida nova contagem do prazo, desprezando-se para essa finalidade, o tempo anterior ao marco interruptivo. A proposta do presente artigo não é trazer os temas de forma exaustiva, entretanto, de forma singela, trarei à tona as causas que interrompem o prazo prescricional. Lembrando que esse rol está positivado no artigo 117, divididos por 6 (seis) incisos e 2 (dois) parágrafos. Recebimento da denúncia ou queixa, inciso I: a prescrição é interrompida na data do despacho de recebimento, não importando a data do oferecimento da denúncia ou da queixa. Pronúncia, inciso II: nos processos de competência do Tribunal Popular, a pronúncia interrompe a prescrição e seu marco é a publicação em cartório. Decisão confirmatória de pronúncia, inciso III: dá-se no dia do julgamento, e não no dia da publicação do acórdão no Diário de Justiça. Sentença ou acórdão condenatório, ainda recorríveis, inciso IV: a interrupção ocorrerá com a publicação da nova decisão. Se for anulada, não interromperá (STJ, HC 30535/PR , Rel. Min. Feliz Fischer, 5ª T., DJ 09/02/2004) e, sendo sentença concessiva de perdão judicial, por ser meramente declaratória de extinção de punibilidade, não interromperá. Início ou continuação do cumprimento da pena, inciso V: a data de início ou continuação do cumprimento da pena interromperá a prescrição da pretensão executória. Pela reincidência, inciso VI: a prescrição da pretensão executória é interrompida na data do trânsito em julgado de nova sentença condenatória por um segundo crime e não na data do cometimento desse crime. § 1º – Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. § 2º – Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção. 3 prescrição da pretensão punitiva virtual, antecipada ou em perspectiva Adentramos no último tema do presente trabalho, e de extrema importância. Além de todo o conteúdo exposto ao longo do artigo, a motivação da pesquisa foi, justamente, demonstrar o significado dessa prescrição criada pela doutrina – não há previsão legal – e que, mesmo sendo objeto de súmula que obsta sua aplicação, temos casos em São Paulo de seu reconhecimento. Primeiramente. a indago: o que é prescrição virtual? É uma modalidade de prescrição que detectamos no trâmite do processo. É possível esse exercício porque, dentro de uma certa razoabilidade, temos como vislumbrar a pena que será aplicada na sentença do processo crime em tramitação. Ratificando o entendimento presente, referenciamos o Professor Luiz Flávio Gomes: A prescrição da pretensão punitiva virtual (subespécie da PPP) é, como dissemos, construção doutrinária e jurisprudencial (jurisprudência da primeira instância), de acordo com a qual, tendo-se conhecimento do fato, bem como das circunstâncias que seriam levadas em conta quando o juiz fosse graduar a pena e chegando-se a uma provável condenação, tomar-se-ia por base essa pena virtualmente considerada e far-se-ia a averiguação de possível prescrição, quando então não haveria interesse em dar-se andamento em ação penal que de antemão pudesse encerrar com a extinção da punibilidade. (GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição virtual ou antecipada: súmula 438 do STJ. Disponível em http://www.lfg.com.br – 17 maio. 2010). No mesmo sentido do Professor Luiz Flávio Gomes, supracitado, para uma maior fundamentação doutrinária, traremos, também, o entendimento do Desembargador e Professor Guilherme de Sousa Nucci, com as seguintes lições: A prescrição não pode ser suspensa indefinidamente, pois isso equivaleria a tornar o delito imprescritível, o que somente ocorre, por força de preceito constitucional, com o racismo e o terrorismo. Assim, por ausência de previsão legal, tem prevalecido o entendimento de que a prescrição fica suspensa pelo prazo máximo em abstrato previsto para o delito. Depois, começa a correr normalmente. (NUCCI, 2007, p. 602). Assim, conforme o supramencionado, o interessado – geralmente a Defesa – fará o cálculo da pena (sistema trifásico de Hungria). A partir do momento em que temos o respectivo resultado, há uma perspectiva de prescrição, caso o trâmite prossiga. Dessa maneira, qual a necessidade de prosseguir com o processo? Mesmo assim, com a possibilidade do reconhecimento de que a prescrição será inevitável, temos súmula para que não seja reconhecida a prescrição antecipada. Súmula 438. “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Em conformidade com a presente exposição, hão de concordar que é demasiadamente inútil o prosseguimento mesmo ciente de que, lá na frente, haverá a sentença meramente declaratória do reconhecimento da prescrição virtual. A inutilidade e a ausência de lógica é que, tocando a demanda, é um desperdício de dinheiro (erário) e desperdício de tempo, facilmente demonstrável a falta de respeito no que tange aos princípios da Administração Pública. 3.1 julgados de reconhecimento e aplicação da prescrição antecipada O item a ser tratado nessa oportunidade é a apresentação de determinados julgados, reconhecendo e aplicando, mesmo que sem fundamento legal e contra objeto de súmula, a extinção da punibilidade em decorrência da prescrição em perspectiva. O primeiro caso a ser apresentado é uma sentença de primeiro grau, na qual, a juíza de piso do Estado do Rio Grande do Sul declarou, em um caso de apropriação indébita, artigo 168, caput, a extinção da punibilidade. Segue, portanto, o dispositivo da sentença para compreensão: III DISPOSITIVO EX POSITIS, DETERMINO O TRANCAMENTO DA PRESENTE AÇÃO PENAL, por ausência de justa causa ou interesse de agir (punibilidade concreta), e por consequência, com fundamento no artigo 107 , inciso IV c.c art. 109 , inciso V e art. 110 do Código Penal em conjunto com o art. 61 do Código de Processo Penal DECLARO extinta a punibilidade de CAMILA APARECIDA PEREIRA NAVARRO, quanto à imputação da prática do delito capitulado no art. 168 , ‘caput’ do Código Penal aplicando a tese da prescrição pela pena em perspectiva. Processo: 0000327-81.2003.8.16.0045 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ DA COMARCA DE ARAPONGAS DA 1ª VARA CRIMINAL Sentença exarada em 02/09/2017. Nessa mesma perspectiva, tal qual acima aludida, traremos mais um caso para referência da matéria. Trata-se, agora, de uma Apelação interposta pelo Ministério Público de um processo crime que tramitava, à época, no Estado da Bahia. A interposição da Apelação, além de atacar o Mérito, arguiu, outrossim, em preliminar (como de praxe) a reforma da declaração da prescrição antecipada. Resultado, Acórdão dando provimento ao Recurso interposto. Logo, fácil perceber, uma vez mais, a utilização do instituto doutrinário, ao menos, pelos juízos de primeiro grau de jurisdição. Segue abaixo a Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO EM CONCURSO MATERIAL. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO PELA FALTA DE INTERESSE DE AGIR, HAJA VISTA O RECONHECIMENTO DE PRESCRIÇÃO VIRTUAL OU ANTECIPADA, PELO JUÍZO A QUO. PRELIMINARES SUSCITADAS PELOS RECORRIDOS DE FALTA DE CABIMENTO E DE INTEMPESTIVADE DO RECURSO. NÃO ACOLHIMENTO. RECURSO CABÍVEL E TEMPESTIVO. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE VISA A REFORMA DA SENTENÇA QUE RECONHECEU A PRESCRIÇÃO VIRTUAL. ACOLHIMENTO. SÚMULA 438 DO STJ. SENTENÇA REFORMADA. PRELIMINARES REJEITADAS. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO. Não há falar em intempestividade do recurso interposto pelo Ministério Público, uma vez que tanto o apelo, quanto as razões, foram apresentados dentro do prazo legal. Não se pode confundir a falta de interesse de agir com a prescrição virtual ou antecipada. Enquanto aquela representa a constatação, sem espaço para dúvida, da impossibilidade de o jus puniendi se efetivar ao final do trâmite processual, esta leva em conta a pena que provavelmente seria imposta ao réu no caso de condenação e, em consequência disso, reconhece a extinção da punibilidade. O ordenamento jurídico pátrio compreende inviável o reconhecimento de prescrição antecipada, por ausência de previsão legal. Trata-se, ademais, de instituto repudiado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, por violar o princípio da presunção de inocência e da individualização da pena a ser eventualmente aplicada. Súmula 438 do Superior Tribunal de Justiça: “é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal”. Preliminares rejeitadas. Recurso PROVIDO. (TJ-BA – APL: 00012554420018050001 BA 0001255-44.2001.8.05.0001 , Relator: Carlos Roberto Santos Araújo, Data de Julgamento: 11/10/2012, Segunda Câmara Criminal – Primeira Turma, Data de Publicação: 17/11/2012). 4 Considerações Finais Como proposto, aduzimos alguns temas de forma mais superficial e, outros, mais detidamente. A extinção da punibilidade, sobre tudo pela prescrição, independentemente da modalidade, é um tema exponencial à ciência penal, por conseguinte, foi o tema mais estudado porquanto é inimaginável o operador do direito (principalmente a defesa) negligenciar a matéria e possuir, concomitantemente, um desemprenho satisfatório em seu trabalho. Não exaurimos, absolutamente, tema algum, para tanto, temos inúmeras obras doitrinárias com esse escopo. Entretanto, o presente artigo, nos dá um satisfatório parâmetro no que tange à matéria estudada. Acreditamos ser de um equívoco incomensurável o entendimento majoritário dos Tribunais quanto sua repulsa ante a prescrição da pena em perspectiva. Não há, isso é lógico, motivos para a ação penal prosseguir fadada ao fracasso. Como dito: é ilógico e, pior ainda, não traduz os princípios da Administração Pública porque o gasto com a máquina judiciária é alto coisa que pode ser, facilmente, nesses casos, obviamente, ser controlada. Entendemos, perfeitamente, que a prescrição virtual não tem suporte legal e que, na mesma esteira, existe a súmula – também exposta no trabalho – negando a utilização da questão. Ocorre que, mesmo com todos esses óbices, há, ainda, o desrespeito ao erário (por conta dos gastos desnecessários) e uma aviltante consequência em desfavor do réu, pois seguirá estigmatizado – teoria do etiquetamento – em decorrência do processo crime que, ao fim, terá uma sentença declaratória da extinção da punibilidade. Indago, nesse ínterim, o seguinte: faz sentido todo esse trâmite? Entendemos que não! Por derradeiro, apresentamos essa temática com nossa visão e, como exaustivamente exposto, sem o escopo de exaurir a matéria. Contudo, trata-se de uma vasta apresentação que dá – mesmo que de forma singela – um ótimo suporte àqueles que queiram pesquisar com mais profundidade o tema. Sabemos da importância da questão à defesa técnica, logo, o viés do trabalho foi buscar o melhor aos advogados criminalistas que militam na trincheira defensiva diuturnamente. Referências Bibliográficas BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 16ª ed. São Paulo. Saraiva, 2011. GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição virtual ou antecipada: súmula 438 do STJ. Disponível em: http://www.lfg.com.br . Acesso em: 25, nov. de 2019. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 10ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, 2016. JESUS, Damásio de. Direito Penal. 36ª ed. São Paulo. Saraiva, 2015. MIRABETE, Julio Fabrini; FABBRINI, Renato Nascimento. Manual de Direito Penal. 26ª ed. São Paulo, Atlas, 2010 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. 2ª ed. São Paulo. Saraiva, 1959. NUCCI, Guilherme de Sousa. Manual de Processo Penal e Execução Penal . 3ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2007. PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 13ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2014.